COGNIÇÃO FAMINTA, SEGUNDA COLEÇÃO DE VICTOR DA JUSTA, É UM MANIFESTO SOBRE UM MUNDO INCHADO, SEM TEMPO E MEDIADO PELOS CELULARES
A coleção fala sobre nosso momento de pandemia a partir da dualidade entre o analógico e o digital, a tecnologia e sua nocividade, a informação em excesso e fake news
“Sabiam agora que, se há qualquer coisa que se pode desejar sempre e obter algumas vezes, essa qualquer coisa é a ternura humana.”
Albert Camus – A Peste
Em meio a um momento histórico de nossas vidas; uma guerra invisível em que paciência e empatia são nossa munição, o designer Victor da Justa lança Cognição Faminta, sua segunda coleção.
Durante esse período, nosso portal com o exterior se dá pelos dispositivos tecnológicos, que, incansavelmente, nos alertam para todo tipo de notícias e tragédias. Dormimos e acordamos com o estomago embrulhado de informações, sejam elas verdadeiras ou não. Com o aumento de Fake News, a noticia do dia-a-dia se torna um campo minado.
A simbologia da coleção foi através de um objeto corriqueiro com uma estética singular, o garfo. Representando a ideia de um banquete insaciável, em que o alimento é a própria informação. Ele faz uma analogia ao garfo da Pequena Sereia e sua relação lúdica, que acabou sendo vitima de Fake News.
Por outro lado, as roupas da coleção também carregam uma discussão sobre a dualidade entre “tecnológico” e “analógico”. A obsessão pela tecnologia se torna um vício, e a velocidade que o mundo virtual nos impulsiona é preocupante. Victor ressalta a importância do analógico, da paciência, do tempo. Uma ode à cultura. Um estímulo à leitura, em que o lúdico e a criatividade exploram nosso inconsciente. Em um país que incentiva a ignorância, ler e pensar são atos de resistência.
A coleção apresenta referências orientais e um resgate no futurismo dos anos 1980. Além disso, carrega elementos que já fazem parte do DNA da marca: identidade andrógina e polarizada, metáforas políticas-filosóficas, adereços de street-wear e pijama que se misturam com uma alfaiataria desconstruída. Victor utilizou materiais como algodão brilhoso (que associa às telas de celulares), lona grossa estampada, diferentes cores de jeans, detalhes no tule e nos cadarços. Um modelo de cinto e bolsa acompanham a coleção. As bolsas têm o garfo como haste, desenhado e moldado pelo próprio designer.
Para destacar a ideia de um excesso de informação, a coleção é toda feita em três estampas desenvolvidas pelo designer:
PIED DE CODE – O famoso QR Code representa o lado tecnológico da coleção, como também a forma que ultimamente vivemos rodeados pelo código. Como estampa, ele vira um pied de poule da contemporaneidade.
NOTICIA SERVIDA – No filme A Pequena Sereia, Ariel encontra um garfo no fundo do mar e é informada erroneamente que o objeto servia como pente. A estampa é composta pelo desenho do garfo (que também é uma das tatuagens do designer) e cria um diálogo com o ato de “ingerir” uma informação. No caso, mentirosa. O garfo se torna símbolo de um baquete de informações excessivas.
CULTURA ANALOGICA – Foi a estampa mais complexa de se produzir. Victor fez uma montagem com vários livros com diferentes temáticas, além de fotos, filmes e pedaços de jornais. Ele tirou uma foto do todo e depois de cada página, folha e papel que foram transformadas em um quebra-cabeça pelo estúdio de design @studio_toro.
– – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – – –
VICTOR DA JUSTA
Victor da Justa nasceu no Rio de Janeiro. É formado na École Supérieure Des Arts Et Techniques De La Mode, em Paris. O estilista já trabalhou em marcas como Rick Owens, Isabela Capeto e Reinaldo Lourenço, como também com o fotógrafo Fe Pinheiro. No final de 2019, lançou sua marca homônima.
As peças da coleção estão disponíveis no site da marca e na loja Pinga (São Paulo).
Quem está atras da tela?
Essa película que queima minha retina,
alimenta minha vaidade,
corrói minhas veias com falsas verdades?
Uma cognição faminta que nunca está satisfeita desfazendo os nós desse pavil que meu ego aceita.
que venha sem pressa
o fruto da terra
que amadureça
e cresça no tempo certo
seu tempo
como essa flor de jambo
montado no deserto
dos galhos de um verão,
ou já estamos no outono?
os ventos do caminho
afagam minha solidão….
E das notícias que consigo ler, um dia essas lágrimas secarão…
Victor da Justa e Isadora Melo